23 de setembro de 2007

Outono


O Outono, Giuseppe Arcimbold, 1573.

2 comentários:

Inês Ramos disse...

"Subitamente, ― que visão de artista! ─

Se eu transformasse os simples vegetais,

À luz do sol, o intenso colorista,

Num ser humano que se mova e exista

Cheio de belas proporções carnais?!


Bóiam aromas, fumos de cozinha;

Com o cabaz às costas, e vergando,

Sobem padeiros, claros de farinha;

E às portas, uma ou outra campainha

Toca, frenética, de vez em quando.


E eu recompunha, por anatomia,

Um novo corpo orgânico, aos bocados.

Achava os tons e as formas. Descobria

Uma cabeça numa melancia,

E nuns repolhos seios injectados.


As azeitonas, que nos dão o azeite,

Negras e unidas, entre verdes folhos,

São tranças dum cabelo que se ajeite;

E os nabos ─ ossos nus, da cor do leite,

E os cachos d’uvas ─ os rosários d’olhos.


Há colos, ombros, bocas, um semblante

Nas posições de certos frutos. E entre

As hortaliças, túmido, fragrante,

Como d’alguém que tudo aquilo jante,

Surge um melão, que me lembrou um ventre.


E, como um feto, enfim, que se dilate,

Vi nos legumes carnes tentadoras,

Sangue na ginja vívida, escarlate,

Bons corações pulsando no tomate

E dedos hirtos, rubros, nas cenouras.


O sol dourava o céu. E a regateira,

Como vendera a sua fresca alface

E dera o ramo de hortelã que cheira,

Voltando-se, gritou-me prazenteira:

‹‹Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!...››"

excerto de "Num Bairro Moderno" de Cesário Verde a legendar a bela imagem!

Alberto disse...

Tens razão pertinente Inês. Este Cesário vem mesmo a propósito. Comenta sempre.