"Subitamente, ― que visão de artista! ─Se eu transformasse os simples vegetais,À luz do sol, o intenso colorista,Num ser humano que se mova e existaCheio de belas proporções carnais?!Bóiam aromas, fumos de cozinha;Com o cabaz às costas, e vergando,Sobem padeiros, claros de farinha;E às portas, uma ou outra campainhaToca, frenética, de vez em quando.E eu recompunha, por anatomia,Um novo corpo orgânico, aos bocados.Achava os tons e as formas. DescobriaUma cabeça numa melancia,E nuns repolhos seios injectados.As azeitonas, que nos dão o azeite,Negras e unidas, entre verdes folhos,São tranças dum cabelo que se ajeite;E os nabos ─ ossos nus, da cor do leite,E os cachos d’uvas ─ os rosários d’olhos.Há colos, ombros, bocas, um semblanteNas posições de certos frutos. E entreAs hortaliças, túmido, fragrante,Como d’alguém que tudo aquilo jante,Surge um melão, que me lembrou um ventre.E, como um feto, enfim, que se dilate,Vi nos legumes carnes tentadoras,Sangue na ginja vívida, escarlate,Bons corações pulsando no tomateE dedos hirtos, rubros, nas cenouras.O sol dourava o céu. E a regateira,Como vendera a sua fresca alfaceE dera o ramo de hortelã que cheira,Voltando-se, gritou-me prazenteira:‹‹Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!...››"excerto de "Num Bairro Moderno" de Cesário Verde a legendar a bela imagem!
Tens razão pertinente Inês. Este Cesário vem mesmo a propósito. Comenta sempre.
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"Subitamente, ― que visão de artista! ─
Se eu transformasse os simples vegetais,
À luz do sol, o intenso colorista,
Num ser humano que se mova e exista
Cheio de belas proporções carnais?!
Bóiam aromas, fumos de cozinha;
Com o cabaz às costas, e vergando,
Sobem padeiros, claros de farinha;
E às portas, uma ou outra campainha
Toca, frenética, de vez em quando.
E eu recompunha, por anatomia,
Um novo corpo orgânico, aos bocados.
Achava os tons e as formas. Descobria
Uma cabeça numa melancia,
E nuns repolhos seios injectados.
As azeitonas, que nos dão o azeite,
Negras e unidas, entre verdes folhos,
São tranças dum cabelo que se ajeite;
E os nabos ─ ossos nus, da cor do leite,
E os cachos d’uvas ─ os rosários d’olhos.
Há colos, ombros, bocas, um semblante
Nas posições de certos frutos. E entre
As hortaliças, túmido, fragrante,
Como d’alguém que tudo aquilo jante,
Surge um melão, que me lembrou um ventre.
E, como um feto, enfim, que se dilate,
Vi nos legumes carnes tentadoras,
Sangue na ginja vívida, escarlate,
Bons corações pulsando no tomate
E dedos hirtos, rubros, nas cenouras.
O sol dourava o céu. E a regateira,
Como vendera a sua fresca alface
E dera o ramo de hortelã que cheira,
Voltando-se, gritou-me prazenteira:
‹‹Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!...››"
excerto de "Num Bairro Moderno" de Cesário Verde a legendar a bela imagem!
Tens razão pertinente Inês. Este Cesário vem mesmo a propósito. Comenta sempre.
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