29 de abril de 2006

Caixa de Sapatos


Uma caixa de sapatos representa o que cabe na palma de uma mão. Ao envelhecer, procuramos nos despertencer, nos despojar, vamos diminuindo as malas, as bagagens, o trânsito, o próprio espaço do corpo. Ficamos reduzidos ao essencial. A partir da lembrança do desejo, pode reconstruir-se todo o desejo, arder sem querer, sem data e sem alarme. Numa pequena caixa de papelão, há carvões de memória que julgamos parados mas que se acendem com a respiração próxima. Uma caixa de sapatos representa um auto-roubo. Furtamos da nossa própria casa para dar um sentido pessoal à existência, um modo de justificar que não vivemos em vão, que preservamos uma reserva de intimidade e de desconhecido.

Fabrício Carpinejar em entrevista à revista 6ª, Diário de Notícias, 07/04/06 a propósito do lançamento em Portugal do livro Caixa de Sapatos (Quasi). Carpinejar tem um site http://www.carpinejar.com.br/ e mantém o blog http://carpinejar.blogger.com.br/

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