27 de outubro de 2006

Águas turvas




…Eu não gosto do bom gosto

Eu não gosto do bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto

Senhas, Adriana Calcanhotto

Temo que um destes dias possa surgir um politicamente correcto volume com título tipo, Manual do Bom Gosto, um guia para acolhimento de espectáculos em teatros municipais. Surgiu-me o receio ao ler esta semana no JN as declarações de um «ex-ocupa» do Rivoli. Francisco Alves depois de ter sido recebido com outros manifestantes pela ministra da Cultura, disse ao relatar o encontro: “ A ministra mostrou-se empenhada em definir o conceito de serviço público, reconhecendo que não faz sentido uma rede de teatros para depois apresentar, por exemplo, música pimba”.
Atente-se à expressão «por exemplo». Parece que já foi destrinçado o tipo de espectáculos, além da música pimba, a incluir num qualquer índex.
Que a ministra queira, ainda citada pelo encenador, “produzir documentação sobre a definição de serviço público e estabelecer regras claras para a Rede de Teatros Municipais financiados com dinheiros públicos”, parece-me pertinente e a ser feito com desembaraço porquanto tardiamente. Mas discriminar e, para já verbalmente decretar ao ostracismo, géneros artísticos que a ministra e alguns intelectuais confinam como menores, é um exercício perigoso e pouco democrático.
Que direito existirá de vedar o palco de um teatro municipal a quem com empenho, seriedade e rigor faça canções de acordes e letras simples que agradam a públicos, que sensibilizam pessoas? A meu ver nenhum.
Entende-se a precaução da ministra, mas estamos perante um discurso classista que demonstra que do outro lado de um rio pardacento, podem também estar águas turvas.

…Eu aguento até os modernos
E seus segundos cadernos
Eu aguento até os caretas
E suas verdades perfeitas
Mas o que eu não gosto é do bom gosto…

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