12 de abril de 2006

Lawrence Ferlinghetti


Lawrence Ferlinghetti.
Foto de Alberto Guimarães

DÁDÁ DEVIA TER GOSTADO DE UM DIA COMO ESTE

Dádá devia ter gostado de um dia como este
com todas estas tão realistas
irrealidades
cada qual quase a tornar-se
demasiadamente irreal em relação ao lugar que
[ocupa
o qual nunca é suficientemente distante
para poder ser a Boémia

Dádá devia ter amado um dia como este
com este sol de lâmpada eléctrica
que ilumina de uma forma tão diferente
pessoas diferentes
mas que ilumina de modo tão idêntico
toda a gente
e tudo
tal como

um pássaro que vai cantar
um avião numa nuvem debruada a ouro
uma mão com um esfregão
a acenar à janela
ou um telefone que vai tocar
ou uma boca que vai deixar de
fumar
ou um novo jornal
com as «últimas notícias»
acerca de uma bailarina cancerosa

Sim Dádá teria morrido por um dia como este
com este doce carnaval nas ruas
e com este funeral tão real
atravessando as ruas
levando a bailarina cancerosa morta
no caixão
e o último apaixonado da bailarina
[perdido
na multidão não-solitária
e com o querido bebé da bailarina
quase a dizer Dádá
e com este padre passageiro
que vai rezar a Dádá
e oferecer desculpas tão
transcendentes
Sim Dádá deva ter amado um da como este
com estas analagias
não acidentais

Lawrence Ferlinghetti. Pictures of the Gone World. ( Como Eu Costumava Dizer, Publicações Dom Quixote)

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